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Sem apoio do governo, grandes festivais de arte são cancelados na Bahia - LFTV

26 de setembro de 2023

Mais 1,9 mil empregos diretos; 3,1 mil empregos indiretos; 976 sessões artísticas de diversas linguagens, 165 dias de atividades artísticas em diferentes regiões da Bahia. Essas foram algumas das informações apresentadas ao atual secretário de Cultura da Bahia, Bruno Monteiro, em uma carta protocolada em 19 de janeiro de 2023 pelo grupo denominado Projetos Culturais Calendarizados, que reúne organizadores de 12 dos maiores festivais de artes realizados na Bahia há mais de uma década. 

Os dados, que dizem respeito ao biênio 2018/2019, são uma amostra da representatividade cultural e econômica da realização conjunta de eventos como Cantoria de São Gabriel, Festival Internacional de Artistas de Rua, Festival de Jazz do Capão, Panorama Internacional Coisa de Cinema e IC Encontro das Artes, entre outros, que integraram a última chamada do Edital de Eventos Culturais Calendarizados, e anunciaram cancelamento ou adiamento em 2023 por falta de apoio financeiro. O último foi o Festival de Lençóis, que na sexta passada (22) cancelou a edição deste ano. 

O documento protocolado junto à SecultBA (022.2241.2023.0000.371-15) nos primeiros dias da gestão do novo secretário já revelava a principal preocupação: a inexistência de previsão de prorrogação ou nova chamada da linha de fomento para 2023 e anos seguintes. Na ocasião, os eventos previstos para o primeiro semestre já se sentiam ameaçados, condição também expressa no documento. Ao final do texto, o grupo solicitava o agendamento de uma reunião com o novo gestor, pedido nunca atendido. 

A ameaça passou a se converter em realidade em março, com o cancelamento do Festival Internacional de Artistas de Rua. Desde então, anúncios de cancelamento se acumularam diante do silêncio da pasta, quebrado, em parte, na semana passada, por força da comoção pública após o anúncio de cancelamento do Festival de Jazz do Capão. 

Em vídeo nas redes sociais, Rowney Scott, diretor artístico do Festival, expôs com indignação o tratamento recebido pelo grupo por parte do gestor. “Nós nunca fomos recebidos pelo secretário, que sequer respondeu a nossa carta. Isso é inaceitável. Uma falta de consideração e de interesse inconcebíveis para um secretário que prometeu dialogar e estar atento aos fazedores de cultura e sua as produções”, manifestou. 

Jordi Amorim Quineto ,
Jordi Amorim Quineto no Festival de Lençóis, cancelado semana passada . Crédito: Foto Mariani Riani

Desabafo semelhante ao feito por Selma Santos, em conversa com o CORREIO: “O Festival Internacional de Artistas de Rua é o segundo mais velho. Tem 20 anos, com 17 edições realizadas. Já era para a gestão anterior ter pensado e ter deixado alguma coisa agendada. Já que o secretário é novo, não é baiano, ele deveria escutar, não só os calendarizados, mas toda a parte artística da Bahia. Ele pessoalmente não atendeu nenhum produtor. A gente lutou muito para ter esse edital. São festivais sérios. Ninguém teve acesso a esse secretário ainda. Disseram que iriam rever e abrir para os calendarizados. Cadê?”.

No inicio de abril, logo após o anúncio de cancelamento do Vivadança Festival Internacional e da ameaça de uma nova mobilização do grupo Projetos Culturais Calendarizados, a SecultBA divulgou uma nota na qual prometeu o lançamento de uma nova chamada ainda em 2023. Conforme o comunicado, o instrumento de financiamento estaria em fase de revisão e adaptação ao novo Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC) –regime jurídico das parcerias entre a administração pública e as organizações da sociedade civil, em regime de mútua cooperação, para a consecução de finalidades de interesse público. 

“A Superintendência de Promoção Cultural, da Secretaria de Cultura do Estado da Bahia (SecultBa) se reuniu, no último dia 30 de março (quinta-feira), com representantes de entidades e grupos para explicar as novidades do processo referente ao novo edital que será aberto em 2023. Na ocasião, foram discutidas demandas e propostas para a realização dos eventos culturais, mantendo o diálogo aberto entre a secretaria e os agentes da cultura”, diz o texto. 

Chamada emergencial 

No dia 26 de março, dias antes da reunião citada pela pasta na publicação, um assessor da SecultBA, de nome Fernando Santos, fez, pela primeira vez, contato com o grupo de organizadores dos festivais por meio da interlocução de Claudio Marques, idealizador e coordenador do Panorama Internacional Coisa de Cinema. O contato breve, baseado em trocas de mensagens de texto, ficou ativo somente até o mês de abril. 

Neste ínterim, durante o Diálogos Setoriais das Artes da Bahia 2023, que no dia 27 de abril teve como pauta a linguagem audiovisual, Bruno Monteiro anunciou pessoalmente novidades para os Eventos Calendarizados. “Ele [o Bruno Monteiro] falou publicamente que teria o edital emergencial para os calendarizados”, conta Marques, que participou do encontro realizado na sede do Conselho Estadual de Cultura da Bahia.

“Eu levei a informação para o grupo. Nós estávamos, inclusive, nos organizando para fazer algumas publicações para mobilizar as pessoas, informar que estavam em risco todos os festivais. Teve até uma discordância dentro do grupo. Naquele momento, eu estava acreditando bastante de que teria o edital emergencial. Outra parte já não acreditava mais. Estava achando que o tratamento dado aos calendarizados estava sendo sem compromisso”, relata. 

“Eu fiquei mandando mensagens para o Fernando Santos. Em algum momento ele parou de me responder. Em abril ele nunca mais me respondeu. Eu mandei várias mensagens para ele e por outras pessoas da Secretaria de Cultura. Eles nunca mais responderam. Nunca responderam a carta que a gente mandou. E o que aconteceu é o que a gente viu. Os festivais, um a um foi anunciando que não iria acontecer”, continua Marques. O edital emergencial prometido pelo secretário não se efetivou.

O anúncio de interrupção do Panorama após 14 anos consecutivos foi feito no início de setembro. Com inscrições abertas desde março, o festival recebeu 1.355 inscrições de filmes nacionais e internacionais. A edição 2023 foi adiada para março de 2024. A ação também conta com o patrocínio privado do Instituto Flávia Abubakir. 

“É bem triste. A gente não sabe o que está acontecendo. Mas não falar abertamente com a gente sobre o que está acontecendo é muito estranho. Por que o secretário não recebeu a gente? Por que não se estabeleceu um canal aberto? A gente está falando de produtores e festivais que têm décadas de trabalho com a cultura na Bahia, que não é uma coisa fácil”, lamenta Marques. 

Procurada pela reportagem, a Secretaria de Cultura da Bahia não respondeu aos pedidos de entrevista e/ou posicionamento sobre o assunto. 

O primeiro contato da reportagem com a SecultBA foi feito na quarta-feira (20), às 9h59, pelo endereço eletrônico ascom@cultura.ba.gov.br, e-mail indicado no site do governo da Bahia, e pelo telefone 71 3103-3400 (a ligação é transferida para o setor de comunicação). Na quinta (21), um novo e-mail foi encaminhado às 9h07. Na segunda-feira (25), por fim, um terceiro e-mail foi encaminhado às 9h51, com prazo de resposta até às 13h, seguido por contato telefônico com um dos integrantes da equipe de comunicação, que prometeu recepcionar a solicitação. Até o prazo definido, nenhum retorno foi dado pela pasta. 

Manifestival 

Para não entrar no fluxo de cancelamentos, o Festival de Dança de Itacaré, que chega a 11ª edição, decidiu transformar a ação em uma grande mobilização. Nos dias 11 e 12 de novembro, abrirá espaço para dançarinos, coreógrafos, produtores professores e agentes da linguagem da dança discutirem o fomento ao setor. Não há, no entanto, chamamento para trabalhos cênicos. Quem quiser participar poderá mandar um vídeo de até 2 minutos para a produção do festival, o qual deverá conter a descrição de um momento marcante do festival; a importância da continuidade e o desejo de uma parceria futura. As inscrições podem ser feitas até o dia 11 de outubro (festivaldedancaitacare.com). As gravações serão divulgadas no canal do festival no YouTube. 

Por dentro do edital

A última chamada do Edital de Eventos Calendarizados ocorreu em 2016 e garantiu apoio a 15 iniciativas até 2022 – após ter passado por duas renovações. Criado em 2013, na gestão do então secretário Albino Rubim, o edital tem, originalmente, uma linha de apoio plurianual. A chamada de 2016 previu apoio por três anos consecutivos aos selecionados e investimento de R$ 3 milhões, com até R$ 300 mil por edição de projeto. O recurso financeiro da linha de fomento é oriundo do Fundo de Cultura da Bahia, instrumento pelo qual o governo estadual destina uma parcela do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) para a área cultural.

Veja a lista dos eventos selecionados na última chamada: Festival de Jazz do Capão; Festival Internacional da Sanfona; Vivadança Festival Internacional; Festival Internacional do Chocolate e do Cacau da Bahia; Festival Internacional dos Artistas de Rua; Panorama Internacional Coisa de Cinema; Fenafits – Festival Nacional de Teatro Infantil de Feira de Santana; Mostra Cinema Conquista; Encontro de Cordas do ICED; Festival de Dança de Itacaré; Cantoria de São Gabriel; IC Encontro de Artes; Fiac Bahia; Semana da Cultura Territorial de Conceição do Coité – Circuito das Artes do Sisal; Festival Internacional Latino Americano de Artes Cênicas da Bahia

Veja na íntegra a carta protocolada pelos organizadores junto à Secretaria de Cultura da Bahia: 

Salvador, 19 de janeiro de 2023

Prezado Secretário,

Nós, do grupo “Projetos Culturais Calendarizados” vimos, através desta, expressar nossa satisfação pela sua posse e pelas possibilidades de renovação da Secretaria de Cultura na Bahia. Vivenciamos tempos complexos que levaram muitos dos festivais de cultura do país a encerrar suas atividades. Centenas de milhares de profissionais da cultura perderam seus empregos. Acreditamos que o pior já passou e que os próximos anos serão decisivos para a criação de uma base sólida para a reconstrução da cultura na Bahia.

Criado em 2013, o edital “Projetos Culturais Calendarizados” reúne muitos dos principais festivais do estado, com linguagens distintas, e permitiu que festivais se organizassem e potencializassem suas ações durante anos seguidos sem a necessidade de uma nova chamada. Tal garantia e continuidade fez com que os eventos pudessem se fortalecer e fossem potencializados.

Nesse momento, o edital, que acreditamos ser um dos mais inovadores criados no país, teve seu último ciclo encerrado e, até o momento, não possui nenhuma previsão de prosseguimento para 2023 e próximos anos. Eventos que sempre acontecem no primeiro semestre do ano estão com suas atividades ameaçadas.

Para que se tenha ideia da importância e representatividade dos festivais de cultura aqui reunidos, no biênio 2018/ 2019 onze dos quinze eventos selecionados obtiveram os seguintes resultados:

– 1.910 empregos diretos;

– 3.110 empregos indiretos;

– público de 188.161 pessoas;

– 976 sessões;

– 2.158 artistas convidados;

– 366 atividades de formação;

– 165 dias com atividades artísticas;

– R$ 11.027.095,48 em mídia espontânea. 

Almejamos que o edital tenha continuidade e gostaríamos de agendar, o mais breve possível, uma reunião com o senhor a fim de dar início à conversa democrática e saudável que visa nutrir o ambiente cultural baiano.

Colocamo-nos inteiramente à disposição.

Subscrevem essa carta:

Cantoria de São Gabriel;

Festival de Dança de Itacaré;

Festival de Jazz do Capão;

Festival Internacional de Artistas de Rua;

Festival Internacional da Sanfona;

FIAC Bahia – Festival Internacional de Artes Cênicas da Bahia;

FILTE Bahia – Festival Internacional Latino Americano de Teatro da Bahia;

FENATIFS – Festival Nacional de Teatro Infantil de Feira de Santana -BA;

IC – Encontro de Artes;

Mostra Cinema Conquista;

Panorama Internacional Coisa de Cinema;

Vivadança Festival Internacional.

Fonte: Correio.

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